Sinopse
O Melhor de Mim
uma história de amor entre Dawson e Amanda. Eles eram namorados
adolescentes de lados opostos das faixas com uma paixão que mudaria suas
vidas para sempre, mas a vida iria forçá-los a separa-los. Anos mais
tarde, as linhas os tinham traçado entre o passado e o presente estavam
prestes a cair.
Chamado de volta à sua cidade natal para o funeral do mentor que já
lhes deu abrigo quando mais precisava dele, eles se deparam um com o
outro mais uma vez, e forçados a enfrentar os caminhos que eles
escolheram.
Leiam o primeiro capitulo:
As alucinações de Dawson Cole começaram depois da explosão na pla-
taforma, o dia em que ele poderia ter morrido. Ele achava que tinha
visto de tudo em seus 14 anos trabalhando em plataformas de petróleo. Em
1997, testemunhara um helicóptero perder o controle durante o pouso. O
gigante de aço caíra no convés, transformando-se em uma violenta bola de
fogo, e Dawson sofrera queimaduras de segundo grau nas costas ao tentar
resgatar os passageiros. Treze pessoas morreram, a maioria delas
passageiros do helicóptero. Quatro anos depois, quando um guindaste
desmoronou em uma plataforma, um destroço de ferro do tamanho de uma
bola de basquete passou zunindo perto de sua cabeça, a milímetros de
arrancá-la. Em 2004, ele era um dos poucos trabalhadores que ainda
estavam na plataforma quando um furacão a atingiu, trazendo ventos de
mais de 150 quilômetros por hora e ondas tão grandes que ele pensou nos
procedimentos de emergência que devia seguir no caso de a plataforma
virar. Mas sempre houve outros perigos além desses. Pessoas
escorregavam, peças se quebravam. Cortes e contusões eram rotina naquele
trabalho. Dawson presenciara muitos ossos quebrados, dois surtos de
intoxicação alimentar que afetaram toda a equipe e, dois anos antes, em
2007, vira um navio de abastecimento começar a afundar logo depois de se
afastar da plataforma e seus tripulantes serem resgatados no último
minuto por uma lancha da Guarda Costeira.
Mas a explosão foi diferente. Como não houve vazamento de petróleo –
os dispositivos de segurança evitaram uma catástrofe –, a história mal
chegou aos noticiários, sendo esquecida em poucos dias. Porém, para as
pessoas que estavam no local, inclusive Dawson, foi um verdadeiro
pesadelo. Era uma manhã comum. Ele estava monitorando as estações de
bombeamento quando, de repente, um dos tanques de armazenamento
explodiu. Antes que ele pudesse sequer entender o que estava
acontecendo, o impacto da explosão o lançou para um depósito ao lado. Em
seguida, o fogo tomou tudo. Coberta de graxa e óleo, a plataforma
inteira logo se tornou um inferno de chamas. Duas outras explosões
fortes sacudiram a estrutura com mais violência ainda. Dawson se
lembrava de estar arrastando algumas pessoas para afastá-las do fogo
quando uma quarta explosão, mais forte que as anteriores, o arremessou
longe novamente. Ele tinha uma vaga lembrança de cair em direção à água,
uma queda que, para todos os efeitos, deveria tê-lo matado.
Como muitos outros, ele não tivera tempo de vestir um colete
salva-vidas nem de procurar um bote. Quando voltara a si, estava boiando
no golfo do México, a cerca de 150 quilômetros da costa da Louisiana.
Entre uma onda e outra, conseguira avistar um homem de cabelos pretos
acenando ao longe, como se fizesse sinal para que Dawson nadasse até
ele. Cansado e zonzo, começara a dar braçadas na direção do homem,
lutando contra as ondas. Acreditava estar se aproximando, mas a
ondulação do mar tornava impossível saber ao certo. As roupas e as botas
o impeliam para baixo e, quando seus braços e pernas começaram a perder
as forças, ele teve certeza de que iria morrer. Foi quando viu um
colete salva-vidas em meio a alguns destroços. Então, usando a pouca
energia que lhe restava, nadou até ele. Mais tarde, descobriria que
estivera na água mais de quatro horas e que se afastara mais de um
quilômetro e meio da plataforma antes de ser resgatado por um navio de
abastecimento que fora às pressas para o local.
Ele foi levado a bordo e carregado para o convés inferior, com os
demais sobreviventes. Dawson estava trêmulo por conta da hipotermia e
bastante desorientado. Embora sua visão estivesse embaçada – depois
descobriria ter sofrido uma concussão leve, pôde perceber a sorte que
tivera. Viu homens com queimaduras graves nos braços e nos ombros,
enquanto outros sangravam pelos ouvidos ou tinham sofrido fraturas.
Conhecia a maioria deles pelo nome. Não havia muitos lugares aonde ir na
plataforma – ela era basicamente um vilarejo no meio do oceano – e
todos acabavam se encontrando no refeitório, na sala de recreação ou na
academia mais cedo ou mais tarde.
Um homem, no entanto, lhe parecia vagamente familiar. Vestia um
casaco azul que algum tripulante do navio devia ter lhe emprestado e, da
outra extremidade do recinto abarrotado, encarava Dawson. Seus cabelos
eram pretos e ele aparentava uns 40 anos. Dawson achou que ele parecia
deslocado ali, mais lembrando alguém que trabalhasse em um escritório do
que em uma plataforma no mar. O homem acenou e o vulto que Dawson
avistara na água lhe veio à cabeça. Era ele. De repente, sentiu os pelos
da nuca se eriçarem. Antes que pudesse identificar a origem daquela
inquietude, um cobertor surgiu sobre seu ombro e ele foi levado até um
canto onde um médico aguardava para examiná-lo.
Quando voltou a sentar, o homem de cabelos pretos havia desaparecido.
Ao longo da hora seguinte, mais sobreviventes foram levados a bordo,
porém, à medida que seu corpo voltava a se aquecer, Dawson começou a
imaginar o que teria acontecido ao restante da tripulação. Homens com os
quais havia trabalhado por anos a fio continuavam desaparecidos. Mais
tarde, descobriria que 24 pessoas tinham morrido. Com o tempo, a maioria
dos corpos foi encontrada, mas não todos. Enquanto se recuperava no
hospital, Dawson não conseguia parar de pensar que algumas das famílias
nem ao menos tiveram a possibilidade de se despedir das pessoas que
amavam.
Depois da explosão, ele começou a ter dificuldade para dormir. Não
por causa de pesadelos, mas porque não conseguia se livrar da sensação
de es- tar sendo observado. Ele se sentia... assombrado, por mais
ridículo que pa- recesse. Dia e noite, notava algum movimento com o
canto do olho, mas, sempre que se virava, não havia nada nem ninguém.
Começou a achar que estava enlouquecendo. O médico achou que aquilo
talvez pudesse ser algum tipo de estresse pós-traumático e que seu
cérebro talvez ainda não estivesse totalmente curado da concussão.
Aquilo fazia sentido, mas não con- vencia Dawson. Ele apenas assentiu e o
médico lhe prescreveu pílulas para dormir. Dawson nem se deu o trabalho
de comprá-las.
Ele recebeu uma licença remunerada de seis meses enquanto as questões
jurídicas eram avaliadas. Três semanas depois, a empresa em que
trabalha- va lhe ofereceu um acordo e ele assinou os papéis. A essa
altura, um bando de advogados já havia entrado em contato com Dawson –
todos ávidos por assumir uma ação coletiva –, mas ele não queria se
aborrecer. Apenas aceitou o acordo e, no dia em que recebeu o cheque, o
depositou.
Com dinheiro suficiente para que algumas pessoas o considerassem
rico, logo depois Dawson transferiu a maior parte do valor para uma
conta nas ilhas Cayman. Dali, o montante foi enviado para uma conta
corporativa no Panamá, que tinha sido aberta quase sem burocracia, e
então transferido para seu destino final. Como sempre, seria quase
impossível rastrear o dinheiro.
Ele ficou apenas com o suficiente para o aluguel e algumas despesas
bá- sicas. Não precisava de muito. Nem queria muito. Morava em uma
casinha simples no final de uma estrada de terra nos arredores de Nova
Orleans. Quem a visse provavelmente acharia que seu maior mérito era não
ter sido levada pelo furacão Katrina, em 2005. O revestimento das
paredes externas estava rachado e já sem cor. O interior consistia em um
banheiro, um quarto, uma sala de estar mínima e uma cozinha em que mal
cabia um frigobar. O isolamento térmico era precário e, com o passar dos
anos, a umidade havia deformado o piso, o que dava a impressão de se
estar sempre andando em declives. O linóleo da cozinha estava rachado
nos cantos, o carpete que cobria algumas áreas estava puído e a mobília
fora comprada em bazares. Não havia uma só fotografia enfeitando as
paredes. Embora Dawson morasse ali fazia quase 15 anos, aquele era mais o
lugar em que ele dormia, tomava banho e fazia suas refeições do que
propriamente um lar.
Apesar de velha, sua casa estava quase sempre tão impecável quanto as
dos bairros chiques da cidade. Dawson era – sempre fora – um tanto ob-
cecado por limpeza e organização. Duas vezes por ano vasculhava tudo em
busca de rachaduras e frestas, que consertava para manter roedores e
insetos longe. Sempre que estava prestes a embarcar, esfregava com
desin- fetante o chão da cozinha e o do banheiro e tirava dos armários
qualquer coisa que pudesse estragar ou mofar. Durante sua ausência,
sobretudo no verão, qualquer coisa que não fosse enlatada corria esse
risco. Geralmente ele trabalhava por 30 dias, depois ficava outros 30 de
folga. Quando voltava, fazia outra faxina completa, mantendo tudo bem
arejado para se livrar do cheiro de mofo.
Era um recanto silencioso, e isso era tudo de que ele precisava.
Ficava a quase meio quilômetro da estrada principal e ainda mais
distante de qualquer vizinho. Depois de passar um mês na plataforma,
essa tranquilidade era exatamente o que ele queria. Uma das coisas com
as quais nunca se acostumara no trabalho era o barulho incessante. Um
barulho anormal. Guindastes repondo suprimentos, helicópteros voando,
motores girando, o martelar ininterrupto de metal contra metal – a
cacofonia não parava nunca. As plataformas bombeavam petróleo 24 horas
por dia, o que significava que a barulheira não tinha fim nem mesmo
quando Dawson estava tentando dormir. Ele fazia o possível para
ignorá-la quando estava embarcado, mas, sempre que voltava para casa,
ficava impressionado com o silêncio quase impenetrável mesmo nas horas
em que o sol estava alto no céu. Pela manhã, conseguia ouvir os pássaros
nas árvores e, ao cair da noite, ficava escutando como as cigarras e os
sapos às vezes cantavam em sincronia.
Em geral, isso era relaxante, mas de vez em quando fazia com que ele
se lembrasse do lugar de onde viera. Quando isso acontecia, Dawson ia
para dentro de casa, forçando-se a afastar a lembrança. Ele tentava se
concentrar nas rotinas simples que dominavam sua vida em terra firme.
Comia, dormia, corria, levantava peso e consertava seu carro. Pegava a
estrada e fazia longas viagens sem destino. Vez por outra, ia pescar.
Lia todas as noites e, de vez em quando, escrevia uma carta para Tuck
Hostetler. Isso era tudo. Não tinha televisão nem rádio e, embora
possuísse um telefone celular, nos contatos só havia números de pessoas
do trabalho. Fazia compras e passa- va na livraria uma vez por mês, mas,
fora isso, nunca passeava por Nova Orleans. Em 14 anos, nunca tinha ido
à Bourbon Street ou caminhado pelo Quarteirão Francês, jamais tomara um
café no Du Monde, nem a famosa mistura de licor de romã, rum e suco de
frutas do Lafitte’s. Em vez de ir a uma academia, malhava nos fundos da
casa, sob uma lona que havia pendurado entre a parede e duas árvores.
Não ia ao cinema e não passava as tardes de domingo assistindo a jogos
de futebol na casa de amigos. Estava com 42 anos e não tinha uma
namorada desde a adolescência.
A maioria das pessoas não gostaria nem seria capaz de viver dessa
forma, mas elas não o conheciam, não sabiam quem ele tinha sido ou o que
fizera. Dawson preferia que as coisas continuassem assim.
Então, em uma tarde quente de meados de junho, quando Dawson estava de
licença havia quase nove semanas, um telefonema inesperado fez com que
suas lembranças voltassem à tona. Pela primeira vez em quase 20 anos,
finalmente voltaria à sua cidade natal. A ideia o deixava apreensivo,
mas ele sabia que não tinha escolha. Tuck era mais que um amigo: fora um
verdadeiro pai para ele.
Em meio ao silêncio, enquanto refletia sobre o ano que havia sido um
divisor de águas em sua vida, Dawson tornou a perceber um movimento com o
canto do olho. Quando se virou, não havia absolutamente nada ali. Mais
uma vez se perguntou se não estaria enlouquecendo.
Quem havia telefonado fora Morgan Tanner, um advogado da cidade de
Oriental, na Carolina do Norte, para lhe informar que Tuck Hostetler
tinha falecido.
– Há algumas providências que precisam ser tomadas pessoalmente – explicou Tanner.
Assim que desligaram, Dawson agendou seu voo e reservou um quarto em
uma pousada da região. Em seguida, telefonou para uma floricultura e
encomendou um buquê de flores.
Na manhã seguinte, depois de trancar a porta, seguiu para os fundos
da casa, em direção ao galpão de zinco onde guardava seu carro. Era uma
quinta-feira, 18 de junho de 2009, e ele levava consigo seu único terno e
uma bolsa de viagem que arrumara no meio da noite, enquanto não
conseguia dormir. Abriu o cadeado e rolou a porta para cima, observando a
luz do sol banhar o carro que vinha restaurando e consertando desde os
tempos de escola. Era um Mustang 1969 esportivo, com carroceria
contínua. O tipo de carro que fazia as pessoas pararem para olhar quando
Nixon era presidente e continuava causando o mesmo efeito nos dias de
hoje. Parecia ter acabado de sair da linha de montagem e, ao longo dos
anos, inúmeros desconhecidos haviam mostrado interesse em comprá-lo.
Dawson recusara todas as ofertas. “É mais do que um carro”, dizia a
eles, sem dar maiores explicações. Tuck teria entendido perfeitamente.
Dawson jogou a bolsa no banco do carona e estendeu o terno sobre ela
antes de sentar ao volante. Girou a chave, fazendo o motor dar partida
com um rugido alto, e manobrou o carro até o caminho de cascalho,
descendo em seguida para trancar o galpão. Nesse meio-tempo, repassou
uma lista em sua cabeça para se certificar de que não se esquecera de
nada. Dois minutos depois, estava na estrada principal e, meia hora mais
tarde, parava o carro no estacionamento do aeroporto de Nova Orleans.
Detestava a ideia de deixá-lo ali, mas não tinha escolha. Recolheu suas
coisas e seguiu para o terminal, onde pegou a passagem no balcão da
companhia aérea.
O aeroporto fervilhava. Homens e mulheres andavam de braços dados,
famílias iam visitar os avós ou a Disney, estudantes faziam o trajeto da
universidade para casa ou vice-versa, homens de negócios falavam ao
celular enquanto arrastavam suas malas de rodinhas. Ele foi para a fila
de embarque, que se movia lentamente, e esperou sua vez. Mostrou seus
documentos e respondeu ao questionário básico de segurança antes de
receber o cartão de embarque. Faria uma escala de pouco mais de uma hora
em Charlotte. Não era ruim. Depois que aterrissasse em New Bern e
pegasse o carro que alugara, teria mais 40 minutos de estrada pela
frente. Se não houvesse atrasos, estaria em Oriental no fim da tarde.
Só foi perceber quanto estava cansado quando sentou em seu lugar no
avião. Não sabia bem a que horas finalmente pegara no sono – da última
vez que havia conferido, eram quase quatro da manhã, mas imaginou que
fosse dormir bastante durante o voo. Além disso, poderia descansar um
pouco mais quando chegasse à cidade, uma vez que não teria muito o que
fazer lá. Era filho único e sua mãe o abandonara quando ele tinha 3
anos. O pai, por sua vez, fizera ao mundo o favor de beber até morrer.
Fazia anos Dawson não falava com alguém da família. Não pretendia
retomar os laços àquela altura.
Seria uma viagem rápida, do tipo bate e volta. Ele não tinha intenção
de se demorar mais do que o necessário, apenas cuidaria do que
precisava ser feito. Podia até ter sido criado em Oriental, mas nunca
pertencera àquele lugar. A cidade que ele conhecia não se parecia em
nada com a imagem que se vendia aos turistas. Para a maioria das pessoas
que passava uma tarde ali, Oriental devia parecer uma cidadezinha
pitoresca, apreciada por artistas, poetas e aposentados que não queriam
nada mais do que passar seus últimos anos de vida velejando no rio
Neuse. Havia um centro comercial, com direito a antiquários, galerias de
arte e cafés, assim como mais festivais do que parecia possível para
uma cidade com menos de mil habitantes. Mas a verdadeira Oriental, a que
ele conhecera, era aquela das famílias que habitavam a região desde o
período colonial. Pessoas como o juiz McCall e o xerife Harris, como
Eugenia Wilcox e as famílias Collier e Bennett. Eram elas que sempre
tinham sido as donas da terra e das plantações, que vendiam a madeira e
comandavam os negócios. Eram elas a poderosa influência oculta na região
que sempre lhes pertencera – e que mantinham do jeito que desejavam.
Dawson sentira isso na própria pele aos 18 anos e novamente aos 23,
quando finalmente fora embora dali. Não era fácil ser um Cole em nenhuma
parte do condado de Pamlico, sobretudo em Oriental. Até onde sabia,
todos os Cole desde seu bisavô tinham passado pela prisão em algum
momento. Vários tinham sido condenados, por tudo o que se pudesse
imaginar, desde roubo seguido de agressão, passando por incêndio
criminoso e tentativa de homicídio, até assassinato. A propriedade de
solo rochoso e matas que abrigava a família e os agregados era como um
país à parte, com leis próprias, e nela se espalhavam cabanas
decrépitas, casebres e celeiros entulhados de lixo. A menos que não
tivesse escolha, até o xerife evitava entrar nela. Caçadores mantinham
distância, supondo, com razão, que a placa que dizia invasores serão
recebidos à bala não era um simples alerta, mas uma promessa.
Da família Cole faziam parte contrabandistas de bebida, traficantes
de drogas, beberrões, cafetões, assaltantes, homens que batiam nas
esposas, pais e mães que agrediam os filhos, mas, sobretudo, sua marca
registrada era a violência. Segundo um artigo publicado em uma revista,
era uma das famílias mais cruéis e vingativas da região. O pai de Dawson
não era ex- ceção. Passara boa parte da vida, dos 20 anos ao começo dos
30, na cadeia devido a vários crimes, inclusive apunhalar um homem com
um picador de gelo por ter ultrapassado seu carro na estrada. Por duas
vezes, ele havia sido julgado por assassinato e absolvido, depois que as
testemunhas desapareceram. Até os parentes sabiam que era melhor não
irritá-lo. Como e por que sua mãe se casara com ele era algo que Dawson
não conseguia sequer imaginar. Não a culpava de ter fugido. Quisera
fazer o mesmo du- rante a maior parte da infância. Também não a culpava
de não tê-lo levado junto. Os homens da família Cole eram estranhamente
possessivos quanto a seus filhos. Dawson não tinha dúvidas de que o pai
os teria caçado e pegado o filho de volta de qualquer forma. Ele chegara
a dizer isso mais de uma vez, porém Dawson não tivera coragem de
perguntar o que o pai teria feito se ela se recusasse a devolvê-lo. Já
sabia a resposta.
Ele se perguntou quantos de seus parentes ainda estariam morando na-
quela propriedade. Quando enfim fora embora, viviam ali, além de seu
pai, um de seus avôs, quatro tios, três tias e 16 primos. Àquela altura,
os primos já teriam os próprios filhos, então devia haver ainda mais
gente lá, mas ele não tinha a menor vontade de descobrir. Aquele podia
ter sido o mundo em que Dawson crescera, mas, assim como Oriental, nunca
fora o lugar ao qual pertencia. Talvez sua mãe, seja lá quem fosse,
tivesse algo a ver com isso, mas Dawson não era como aquela gente. Ao
contrário dos primos, ele tirava boas notas e nunca brigava na escola.
Não se envolvia com drogas nem bebida e, na adolescência, evitava sair
com os primos quando eles iam de carro até a cidade em busca de
encrenca. Nessas ocasiões, geralmente lhes dizia que precisava cuidar da
destilaria ou ajudar a depenar um carro que alguém da família roubara.
Ficava na dele e fazia de tudo para passar o mais despercebido possível.
Era como andar em uma corda bamba. Os Cole podiam ser criminosos, mas
não eram burros. Dawson sabia instintivamente que deveria se esforçar
ao máximo para não deixar que notassem quanto era diferente. Devia ser o
único aluno em toda a história de sua escola que fazia as provas
tentando não acertar tudo ou que adulterava o boletim para baixar as
próprias notas. Descobrira como esvaziar uma lata de cerveja às
escondidas quando alguém virava as costas, furando-a com uma faca. Fazia
serão até tarde no trabalho para ter uma desculpa para evitar os
primos. Isso deu certo por um tempo, mas logo começaram a surgir
rachaduras em sua fachada. Um professor comentou com um amigo de birita
de seu pai que ele era o melhor aluno da turma, tias e tios começaram a
se dar conta de que, entre todos os primos, ele era o único que nunca
infringira a lei. Ele era diferente em uma família que valorizava a
lealdade entre si e a conformidade com os próprios padrões acima de tudo
o mais. Não poderia haver pecado maior do que esse.
Seu pai ficara furioso. Embora Dawson estivesse acostumado a apanhar
desde muito pequeno – quando o pai usava cintos e correias –, aos 12
anos as surras começaram a piorar. Seu pai batia em suas costas e no
peito até que ficassem azulados, então voltava uma hora depois,
concentrando-se no rosto e nas pernas. Os professores sabiam o que
estava acontecendo, mas temiam pelas próprias famílias e ficavam
calados. Até o xerife fingia não ver os hematomas e vergões do menino
enquanto ele voltava caminhando da escola.
Já o restante da família não via problemas no que estava acontecendo.
Abee e Ted, seus primos mais velhos, o agrediram mais de uma vez,
surrando-o tão feio quanto seu pai. Abee porque achava que Dawson estava
fazendo por merecer; Ted, por pura diversão. Alto e corpulento, de
punhos enormes, Abee era violento e tinha pavio curto, porém era mais
inteligente do que parecia. Ted, por outro lado, era ruim de nascença.
No jardim de infância, golpeara um colega com um lápis enquanto brigavam
por uma menina. Antes de ser finalmente expulso, no quinto ano, já
havia mandado outro colega de classe para o hospital. Diziam que tinha
matado um viciado quando ainda era adolescente. Dawson calculara que
seria melhor não revidar. Em vez disso, aprendera a se proteger enquanto
levava os golpes, até que os primos se entediassem ou ficassem
cansados.
Apesar de tudo, ele não participava dos negócios da família, e cada
vez se convencia mais de que nunca o faria. Debaixo da cada chuva de
pancadas, ele tentava imaginar a coragem que a mãe tivera ao cortar
todos os laços com aquela família. Com o tempo, descobriu que quanto
mais gritava, mais o pai batia, então passou a ficar calado. Por mais
violento que o pai fosse, não passava de um valentão, e Dawson sabia que
valentões só entram em brigas que sabem que vão vencer. Sabia também
que chegaria uma hora em que ele seria forte o bastante para revidar, em
que não teria mais medo.
Então se esforçou ao máximo para acelerar esse processo. Amarrou a
uma árvore um saco cheio de trapos, que esmurrava por horas a fio. Usava
pedras e peças de motor como peso sempre que podia. Fazia barra,
flexões e abdominais. Antes de completar 13 anos, ganhara 4,5 quilos de
músculos. Aos 14, ganhara outros nove. Estava crescendo, também. Aos 15
anos, já era quase tão alto quanto o pai.
Um mês depois de completar 16 anos, quando o pai quis atacá-lo com um
cinto depois de uma noite de bebedeira, Dawson se levantou e o arrancou
de sua mão. Jurou ao pai que, se voltasse a tocar nele mais uma vez que
fosse, ele o mataria.
Naquela noite, sem ter para onde ir, Dawson se refugiou na oficina de
Tuck. Quando ele o encontrou, na manhã seguinte, o rapaz lhe pediu um
emprego. O homem limpou as mãos no lenço que mantinha no bolso de trás
da calça, analisando-o enquanto pegava um cigarro. Na época, tinha 61
anos e era viúvo havia dois. Tuck não tinha motivo para ajudar Dawson,
que, além de um estranho, era também um Cole. Quando falou, o hálito
exalou um cheiro de álcool e a voz saiu ríspida por conta dos cigarros
sem filtro que fumava desde criança. Seu sotaque, como o de Dawson, era
totalmente interiorano:
– Imagino que saiba desmontar carros, mas faz alguma ideia de como montá-los de volta?
– Sim, senhor – respondera Dawson. – Tem que ir à escola hoje? – Sim,
senhor. – Então volte aqui depois da aula e verei o que posso fazer.
Dawson apareceu, conforme o combinado, e fez de tudo para provar seu
valor. Depois do expediente, choveu durante a maior parte da noite.
Quando Dawson voltou às escondidas para a oficina em busca de abrigo,
Tuck esperava por ele.
O homem não falou nada. Em vez disso, deu uma longa tragada em seu
cigarro, estreitando os olhos em silêncio. Depois de um tempo, voltou
para dentro de casa. Dawson nunca mais passou uma noite na propriedade
da família. Tuck não cobrava aluguel e o rapaz comprava a própria
comida.
Com o passar dos meses, pela primeira vez na vida, Dawson começou a
pensar no futuro. Economizava o máximo que podia, permitindo-se apenas o
luxo de comprar um carro em um ferro-velho e, às vezes, chá em uma
lanchonete. À noite, depois do trabalho, consertava seu carro enquanto
tomava o chá e sonhava ir para a faculdade, algo que nenhum Cole fizera
antes. Cogitou entrar para o Exército, ou simplesmente alugar um canto
só para ele, mas, antes que pudesse tomar uma decisão, seu pai apareceu
de repente na oficina. Veio acompanhado de Ted e Abee. Ambos traziam
tacos de beisebol e ele conseguiu ver o volume de um canivete no bolso
de Ted.
– Me dê o dinheiro que você ganhou – disse o pai sem rodeios. – Não –
respondeu Dawson. – Sabia que iria dizer isso, moleque. Você pode me
dar o que me deve por ter fugido ou Ted e Abee podem lhe dar uma surra e
pegar a grana. Dawson ficou calado. O pai cutucou as gengivas com um
palito de dente.
– Veja bem, tudo o que preciso para acabar com essa sua vidinha é que
alguém cometa um crime lá na cidade. Um arrombamento, talvez, ou um
incêndio. Quem sabe? Depois, é só plantar umas provas, dar um telefone-
ma anônimo para o xerife e deixar a lei fazer seu trabalho. Você vai
estar sozinho aqui a noite inteira, sem nenhum álibi, e por mim pode
passar o resto da vida apodrecendo em uma cela. Não dou a mínima. Então,
por que não me passa a grana de uma vez?
Dawson sabia que o pai não estava blefando. Mantendo o rosto
impassível, tirou o dinheiro da carteira. Depois de contar as notas, seu
pai cuspiu o palito no chão e sorriu.
– Eu volto na semana que vem.
Dawson se virava com o que tinha. Conseguia separar um pouco do
dinheiro que ganhava para continuar a consertar o carro e comprar o chá,
mas a maior parte do salário ia para o bolso do pai. Desconfiava que
Tuck soubesse o que estava acontecendo, mas o homem nunca abordou o
assunto diretamente – não por medo dos Cole, mas porque não era da sua
conta. Em vez de tocar no assunto, Tuck começou a preparar comida de
mais para um homem que jantava sozinho.
– Sobrou um pouco, se você quiser – dizia, levando um prato até a oficina.
Geralmente, voltava para dentro de casa sem falar mais nada. Era
assim que a relação dos dois funcionava, e Dawson respeitava isso. Ele
respeitava Tuck. À sua maneira, aquele homem se tornara a pessoa mais
importante de seu mundo, e o rapaz não conseguia imaginar nada que
pudesse mudar esse fato.
Até o dia em que Amanda Collier entrou em sua vida.
Embora conhecesse Amanda havia muito tempo – existia apenas uma
escola de ensino médio no condado de Pamlico e os dois tinham estudado
juntos a vida toda –, foi somente no último ano que eles trocaram mais
do que algumas poucas palavras pela primeira vez. Ele sempre a achara
bonita, mas não era o único: Amanda era popular, o tipo de garota que
estava sempre cercada de amigas no refeitório enquanto os rapazes
competiam por sua atenção. Além disso, ela não só era representante de
turma, como também animadora de torcida. Para completar, era rica e tão
inacessível para Dawson quanto uma artista de tevê. Ele nunca havia lhe
dirigido uma palavra, até que os dois acabaram se tornando parceiros de
laboratório na aula de química.
Enquanto trabalhavam em tubos de ensaio e estudavam juntos para as
provas do semestre, Dawson percebeu que ela era totalmente diferente do
que ele havia imaginado. Primeiro, o fato de ela ser uma Collier e ele
ser um Cole não parecia fazer a menor diferença para Amanda. Seu riso
era solto e desenfreado e, quando ela sorria, havia algo de travesso em
sua ex- pressão, como se soubesse de algo de que ninguém mais
suspeitava. Seu cabelo era louro, da cor do mel, e seus olhos, azuis
como um céu de verão. De vez em quando, enquanto os dois anotavam
fórmulas em seus cader- nos, ela tocava o braço de Dawson para chamar
sua atenção. A sensação de seu toque durava horas e horas. À tarde,
trabalhando na oficina, Dawson muitas vezes se via incapaz de parar de
pensar em Amanda. Demorou a primavera inteira para criar coragem e
convidá-la a tomar um sorvete e, por volta do final do ano letivo, os
dois já estavam passando cada vez mais tempo juntos.
Isso foi em 1984 e ele tinha 17 anos. Quando o verão acabou, ele já
sabia que estava apaixonado e, quando o ar ficou mais fresco e as folhas
de outo- no começaram a cobrir o chão de vermelho e amarelo, não tinha
dúvidas de que queria passar o resto da vida com Amanda, por mais louco
que isso parecesse. Eles continuaram juntos no ano seguinte: estavam
cada vez mais unidos e passavam todo momento que podiam ao lado um do
outro. Com Amanda, era fácil para Dawson ser ele mesmo. Pela primeira
vez na vida, ele se sentia feliz.
Mesmo depois de tanto tempo, às vezes a única coisa em que conseguia
pensar era naquele último ano juntos. Ou, melhor dizendo, a única coisa
em que ele conseguia pensar era Amanda.
Dawson se acomodou no avião. Pegara um lugar à janela, na metade
traseira da aeronave, ao lado de uma jovem: ruiva, 30 e poucos anos,
alta, braços e pernas longos. Não fazia exatamente seu tipo, mas era
bonita. A ruiva esbarrou nele enquanto procurava o cinto de segurança e
se desculpou com um sorriso.
Dawson meneou a cabeça, mas, percebendo que ela estava prestes a
puxar assunto, olhou pela janela. Enquanto observava o carro de bagagens
se afastar do avião, deixou-se levar, como tantas vezes, por suas
antigas recordações de Amanda. Lembrou-se das ocasiões em que foram
nadar no rio Neuse naquele primeiro verão, seus corpos molhados roçando
um no outro; de como Amanda costumava se empoleirar em um banco da
oficina de Tuck enquanto ele trabalhava em seu carro, abraçando os
joelhos e fazendo-o imaginar que tudo o que queria era ficar ali, a
observá-la para sempre. Em agosto, quando Dawson finalmente conseguiu
fazer seu carro funcionar, ele a levara à praia. Lá, os dois se deitaram
em toalhas, suas mãos entrelaçadas enquanto conversavam sobre seus
livros e filmes favoritos, sobre seus segredos e sonhos.
Eles também discutiam e, nessas ocasiões, Dawson conhecia a persona-
lidade forte de Amanda. Os desentendimentos entre os dois não eram
frequentes, mas tampouco eram raros. O curioso era que, por mais
depressa que os ânimos se exaltassem, eles quase sempre voltavam a se
acalmar com a mesma rapidez. Às vezes uma bobagem os fazia brigar feio –
Amanda podia ser muito teimosa –, mas geralmente isso não dava em nada.
Mesmo quando Dawson ficava irritado de verdade, não conseguia deixar de
admirar a franqueza dela, porque Amanda era a pessoa que mais se
importava com ele.
Além de Tuck, ninguém entendia o que ela teria visto em Dawson.
Embora a princípio houvessem tentando esconder o relacionamento,
Oriental era uma cidade pequena e as pessoas inevitavelmente começaram a
fofocar. As amigas de Amanda se afastaram uma a uma e foi apenas
questão de tempo até que os pais dela descobrissem o motivo. Ele era um
Cole e ela, uma Collier, o que era mais do que suficiente para causar
espanto. No começo, os pais de Amanda se agarraram à esperança de que
ela estives- se apenas passando por uma fase rebelde e tentaram ignorar o
assunto. Quando isso não deu certo, as coisas ficaram mais difíceis
para ela. Eles confiscaram sua carteira de motorista e a proibiram de
usar o telefone. Durante o outono, ela passou semanas a fio de castigo e
foi proibida de sair nos fins de semana. Dawson nunca teve permissão de
entrar na casa da família e, na única vez em que o pai de Amanda lhe
dirigiu a palavra, foi para chamá-lo de “vagabundo imprestável”. A mãe
de Amanda implorou a ela que terminasse o namoro e, em dezembro daquele
ano, o pai parou de falar com a filha.
A hostilidade que cercava o casal só serviu para aproximar os dois
ainda mais e, quando Dawson começou a segurar a mão da namorada em
público, Amanda a agarrava com força, desafiando qualquer um a mandar
que ela a largasse.
Mas Dawson não era ingênuo. Por mais que gostasse de Amanda, sempre
teve a sensação de que estavam apenas adiando o inevitável. Tudo e todos
pareciam conspirar contra eles. Quando seu pai descobriu a respeito de
Amanda, começou a perguntar sobre ela quando ia recolher o salário do
filho. Embora não houvesse nada claramente ameaçador em seu tom de voz, o
simples fato de ouvi-lo dizer o nome de sua namorada bastava para
embrulhar o estômago do rapaz.
Em janeiro Amanda completou 18 anos, porém, por mais que estivessem
furiosos com o namoro, os pais não a expulsaram de casa. Àquela altura,
ela já não se importava com o que eles pensavam – ou pelo menos era isso
que sempre dizia ao namorado. Às vezes, depois de mais uma discussão
feroz com os pais, ela escapava pela janela do quarto no meio da noite e
ia para a oficina. Geralmente Dawson estava esperando por ela, mas vez
por outra acordava com Amanda empurrando-o para o lado enquanto se
juntava a ele na esteira em que dormia, no chão. Eles então caminhavam
até o riacho, onde Dawson passava o braço ao redor da namorada e os dois
ficavam sentados em um dos galhos baixos de um antigo carvalho. Ali,
sob o luar, enquanto as tainhas saltavam na água, ela contava a
discussão que tivera com os pais, às vezes com a voz trêmula, mas sempre
tomando cuidado para não magoar Dawson. Ele a amava por isso, mas sabia
muito bem o que os pais dela pensavam a seu respeito. Certa noite em
que lágrimas escorriam dos olhos de Amanda, depois de outra dessas
brigas, ele sugeriu com brandura que talvez fosse melhor que os dois
parassem de se ver.
– É isso que você quer? – balbuciou ela, com a voz embargada. Ele a
puxou para si, envolvendo-a nos braços. – Eu só quero que você seja
feliz – sussurrou. Ela se apertou contra o corpo do namorado,
descansando a cabeça em seu ombro. Enquanto a abraçava, Dawson se odiou
mais que nunca por ter nascido na família Cole.
– É quando estou com você que sou mais feliz – murmurou ela.
Mais tarde naquela noite, eles fizeram amor pela primeira vez. E,
pelas duas décadas seguintes, e ainda depois, ele carregou dentro de si
as lembranças e aquelas palavras, sabendo que valiam para os dois.
Depois de aterrissar em Charlotte, Dawson jogou sua bolsa de viagem e
o terno sobre o ombro e atravessou o terminal, mal notando o burburinho
à sua volta enquanto remoía as recordações de seu último verão com
Amanda. Na primavera daquele ano, ela recebera uma carta dizendo que
havia sido aceita na Universidade Duke, seu sonho de infância. O
fantasma de sua partida, aliado ao isolamento que sofria por parte da
família e dos amigos, só aumentou o desejo dos dois de ficar o máximo de
tempo possí- vel juntos. Eles passavam horas na praia e davam longos
passeios de carro com o rádio no último volume, ou simplesmente ficavam à
toa na oficina de Tuck. Juraram que nada mudaria depois que ela fosse
para a faculdade: ou ele iria de carro até Durham ou ela viria
visitá-lo. Amanda não tinha dúvidas de que eles dariam um jeito.
Seus pais, no entanto, tinham outros planos. Em uma manhã de sábado
de agosto, pouco mais de uma semana antes de ela partir para Durham,
eles a puseram contra a parede antes que ela pudesse escapulir de casa.
Sua mãe foi a única a falar, embora Amanda soubesse que o pai concordava
com cada palavra pronunciada por ela.
– Isso já foi longe demais – começou a mãe, e em seguida, em um tom de
voz surpreendentemente calmo, disse que, se Amanda continuasse a se
encontrar com Dawson, teria de sair de casa e começar a pagar as
próprias contas. Os pais também não pagariam sua faculdade. – Por que
devería- mos gastar dinheiro com seus estudos, se você está jogando sua
vida fora?
Quando Amanda começou a protestar, a mãe a interrompeu na mesma hora:
– Ele irá arrastá-la para a lama, Amanda, mas você ainda é jovem
demais para entender isso. Então, se quer ter a liberdade de uma adulta,
terá de assumir as responsabilidades de uma adulta. Pode ficar com
Dawson e jogar sua vida no lixo, nós não vamos impedi-la. Mas também não
vamos ajudá-la.
Amanda saiu correndo de casa, pensando apenas em encontrar Dawson.
Quando chegou à oficina, chorava tão forte que não conseguia falar. O
na- morado a abraçou firme, deixando os fragmentos da história virem à
tona quando finalmente os soluços de Amanda se aplacaram.
– Podemos morar juntos – disse ela, seu rosto ainda úmido. – Onde? – perguntou ele. – Aqui, na oficina?
– Não sei. Nós vamos dar um jeito. Dawson ficou calado, olhando para o chão.
– Você precisa ir para a faculdade – disse ele enfim.
– Que se dane a faculdade! – protestou Amanda. – O que importa para mim é você.
Ele deixou os braços caírem.
– E o que importa para mim é você. E é por isso que não posso fazer com que perca a faculdade.
Ela balançou a cabeça, perplexa.
– Você não está me fazendo perder nada. Meus pais, sim. Estão me tra- tando como se eu ainda fosse criança.
– É por minha causa. Nós dois sabemos disso. – Ele chutou o chão. – Quando você ama uma pessoa, precisa libertá-la, não é?
Pela primeira vez, um brilho surgiu nos olhos de Amanda.
– E, se ela voltar, é porque o destino quis assim? É isso que você
acha que está acontecendo? Que nossa vida virou um clichê? – Ela agarrou
o braço de Dawson, fincando os dedos em sua pele. – Nós não somos um
clichê – pros- seguiu Amanda. – Vamos encontrar uma maneira. Posso
arranjar um emprego de garçonete ou coisa parecida, daí podemos alugar
um apartamento.
Ele manteve a voz calma, esforçando-se para que ela não falhasse. –
Como? Acha que meu pai vai parar o que está fazendo? – Podemos nos mudar
daqui. – Para onde? Com o quê? Eu não tenho nada. Será que você não
entende isso? – Ele deixou as palavras no ar e, quando ela não
respondeu, prosse- guiu: – Só estou tentando ser realista. É da sua vida
que estamos falando. E eu... não posso mais fazer parte dela.
– O que quer dizer com isso? – Quero dizer que seus pais têm razão. –
Você não está falando sério. Ele escutou algo muito parecido com medo na
voz de Amanda. Por mais que quisesse abraçá-la, recuou um passo. –
Volte para casa. Ela andou em sua direção: – Dawson...
– Não! – explodiu ele, afastando-se rapidamente. – Você não está
ouvindo. Acabou, está bem? Nós tentamos, não deu certo. A vida continua.
Ela ficou pálida, o rosto quase sem vida: – Então é assim? Em vez de
responder, ele se forçou a lhe dar as costas e andar em direção à
oficina. Sabia que, se olhasse uma só vez para Amanda, mudaria de ideia.
Não podia fazer isso com ela. Não faria. Enfiou-se debaixo do capô de
seu carro e ali escondeu dela suas lágrimas.
Quando Amanda finalmente foi embora, Dawson deslizou até o chão de
concreto empoeirado e ficou horas ali, até Tuck sair da casa e se sentar
ao seu lado. Durante um bom tempo, o homem ficou em silêncio.
– Você terminou com ela – disse enfim. – Não tive escolha. – Dawson mal
conseguia falar. – É – assentiu Tuck. – Também ouvi isso. O sol estava
alto no céu, banhando tudo com uma quietude que lembrava a morte. – Eu
fiz a coisa certa? Tuck enfiou a mão no bolso e sacou um maço de
cigarros, ganhando
tempo antes de responder. Por fim, puxou um cigarro: – Não sei. Não vou
negar que parece haver certo encanto quando vocês estão juntos. E esse
encanto torna mais difícil esquecer as coisas. – Tuck lhe deu um tapinha
nas costas e se levantou para ir embora. Foi o máximo que jamais
dissera sobre Amanda.
Enquanto Tuck se afastava, o rapaz estreitou os olhos contra o sol e as
lágrimas voltaram a escorrer. Sabia que Amanda sempre seria a melhor
parte dele, o “eu” que Dawson passaria a vida inteira desejando
conhecer.
O que ele não sabia era que não voltaria a vê-la ou a falar com ela.
Na semana seguinte, Amanda se mudou para o alojamento da Universidade
Duke e, um mês depois, Dawson foi preso.
Ele passou os quatro anos seguintes atrás das grades